Órgão julgador: Turma, STJ, julgado em 05/03/2015, DJe 10/03/2015 (sem destaque em negrito no original).
Data do julgamento: 19 de dezembro de 2006
Ementa
AGRAVO – Documento:7075574 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Habeas Corpus Criminal Nº 5094032-92.2025.8.24.0000/SC PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5007199-24.2025.8.24.0533/SC DESPACHO/DECISÃO Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de D. C. D. C., contra ato, em tese, ilegal, praticado pelo Juiz de Direito da Vara Regional de Garantias da Comarca de Itajaí, ao converter a prisão em flagrante do Paciente em preventiva, em razão da prática, em tese, do delito de receptação. Argumenta a Impetrante, em síntese, a ausência dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e de fundamentação idônea para a segregação cautelar.
(TJSC; Processo nº 5094032-92.2025.8.24.0000; Recurso: AGRAVO; Relator: ; Órgão julgador: Turma, STJ, julgado em 05/03/2015, DJe 10/03/2015 (sem destaque em negrito no original).; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:7075574 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Habeas Corpus Criminal Nº 5094032-92.2025.8.24.0000/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5007199-24.2025.8.24.0533/SC
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de D. C. D. C., contra ato, em tese, ilegal, praticado pelo Juiz de Direito da Vara Regional de Garantias da Comarca de Itajaí, ao converter a prisão em flagrante do Paciente em preventiva, em razão da prática, em tese, do delito de receptação.
Argumenta a Impetrante, em síntese, a ausência dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e de fundamentação idônea para a segregação cautelar.
Aduz que "o paciente possui um único processo de execução em andamento de fato ocorrido no ano de 2014 (mais de 10 anos), onde já deu início a prestação de serviço a comunidade, inclusive cumpriu mais do que a metade das horas, mais especificamente 96 horas, conforme documentos em anexo", o que entende que não justifica a prisão preventiva.
Acrescenta que "o Juízo da Vara Regional de Garantias deixou de observar a proporcionalidade da medida frente ao caso concreto e a individualização da pena, no qual o custodiado tem residência fixa, família constituída (composta por sua esposa e dois filhos menores de idade), bem como trabalha de forma honesta".
Pugna, assim, pelo deferimento do pedido liminar e, posteriormente, da ordem em definitivo, para fazer cessar o constrangimento ilegal que entende sofrer o Paciente com a concessão de liberdade, ainda que mediante fixação de cautelares diversas.
É o relatório. Decido.
A concessão de liminar em Habeas Corpus é cabível desde que possível vislumbrar, de plano, inequívoca ilegalidade.
Observando atentamente a documentação que instrui o presente instrumento, entendo que não houve flagrante constrangimento ilegal ou nulidade, muito menos o risco da demora da prestação jurisdicional capaz de justificar a concessão de liminar.
Isso porque, em uma análise superficial, digna desta fase, verifica-se que a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva encontra-se devidamente fundamentada (Evento 49 dos autos do inquérito):
[...] IV – Prisão preventiva
A prisão preventiva, espécie do gênero prisão processual, está disciplinada nos artigos 311 e seguintes do CPP. A sua decretação requer, assim como todo e qualquer pronunciamento do magistrado no exercício da jurisdição, motivação, além da observância de requisitos, pressupostos e fundamentos específicos.
Os requisitos – ou condições de admissibilidade – da prisão preventiva estão dispostos no artigo 313, e dizem respeito à gravidade abstrata do crime, ao histórico penal do agente, à efetividade das medidas protetivas de urgência ou à correta identificação do infrator.
Em um primeiro momento, observa-se que a prisão preventiva só poderá ser decretada no caso de cometimento de crime doloso, e nunca diante de crime culposo ou de contravenção penal. Enquanto o primeiro requisito cuida da figura abstrata do delito doloso (inc. I), o segundo baliza os antecedentes do agente de forma que possa ser caracterizada a sua reincidência (inc. II). Nessa hipótese, resta indiferente a gravidade do delito, bastando que haja contra o infrator condenação anterior por outro crime doloso.
O terceiro requisito (inc. III) busca zelar pelos que se encontram em relação de hipossuficiência com o agressor, como é o caso de algumas mulheres, crianças, adolescentes, idosos, enfermos ou pessoas com deficiência, especialmente diante do descumprimento desarrazoado por parte do infrator das medidas cautelares diversas ou protetivas impostas.
Por fim, o último requisito (§ 1º) exige a perfeita individualização do agente mediante o esclarecimento da sua identidade civil.
Traçados os requisitos a serem prefacialmente observados, diante da existência de qualquer um deles é possível adentrar na análise dos pressupostos estampados na parte final do artigo 312 consistentes na prova da materialidade, indícios de autoria e no perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. Em outras palavras, na verificação do fumus boni iuris, ou, como destaca a doutrina processual penal, fumus commissi delicti.
Como é exigido pela norma processual, a materialidade deve estar robustamente comprovada, ainda que em um juízo perfunctório que eventualmente não venha a se confirmar no futuro. Diferentemente é a condição da autoria, para a qual são aceitos meros indícios que possam indicar ser o agente o autor do fato.
Verificados os requisitos e os pressupostos, a decretação da prisão preventiva impõe, em última análise, a aferição de fundamentos, também dispostos no artigo 312 do CPP, os quais se traduzem em: a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem econômica; c) por conveniência da instrução criminal, e; d) para assegurar a aplicação da lei penal.
Somam-se a eles o disposto no parágrafo 1º do artigo 312 do CPP, previsão normativa excepcional de decretação de prisão preventiva diante do descumprimento de medidas cautelares anteriormente aplicadas (quando presentes os fundamentos do inc. I do art. 282 do CPP, independentemente do preenchimento dos requisitos, pressupostos e fundamentos da prisão preventiva).
Os quatro fundamentos específicos para a decretação condicionam o fundamento geral atinente à toda e qualquer cautelar: o periculum in mora ou, nessa seara, o periculum libertatis.
Depois de décadas de aperfeiçoamento doutrinário e jurisprudencial, a ordem pública parece ter recebido certa dose de definição por parte da doutrina e especialmente da jurisprudência. Recentemente, apesar de ainda haver pontos conflitantes, aparentemente restou pacificado que a prisão preventiva decretada para garantir a ordem pública visa impedir o cometimento reiterado de crimes.
E isso pode ser observado no rol de antecedentes criminais ou extraído pela percepção dos meios de execução do delito: ambos devem indicar que o agente faz do crime um modo de vida, seja por seu histórico pessoal delitivo, participação em organização criminosa ou pelo modus operandi empregado na atividade.
O fundamento da ordem econômica foi inserido no artigo 312 do CPP no ano de 1994 por intermédio da Lei 8.884, juntando-se aos outros três fundamentos pré-existentes. Desde então os juristas vêm percorrendo um tormentoso caminho em busca de uma definição de ordem econômica para balizar a prisão processual, ensejando as mais diversas opiniões e definições, grande parte delas conflitantes e voltadas à direções dissonantes, sendo necessária, portanto, a análise pontual e individual de cada caso concreto.
O abalo à conveniência da instrução ocorrerá sempre que “a normalidade da apuração do crime e de sua autoria ou da própria instrução do processo exigir”, como, por exemplo, quando o indiciado ou réu estiver intimidando, influenciando ou aliciando pessoas relacionadas ao fato e ao processo ou consumindo provas.
A salvaguarda da aplicação da lei é a genuína cautelar penal, considerando sua função e garantia com relação ao resultado futuro do processo penal de conhecimento de natureza condenatória. Cuida-se de hipótese em que o indiciado ou réu tenta se furtar ao cumprimento da pena, afastando-se imotivadamente do local do crime, desfazendo-se, sem justificativa, de seu patrimônio ou programando alteração de domicílio para local distante.
Por fim, insta destacar que os fatos que justificam a prisão preventiva devem ser contemporâneos à decisão que a decreta e que a motivação da decisão não precisa ser exaustiva.
Neste norte, foi conferida nova redação ao artigo 312 do Código de Processo Penal, com as alterações previstas na Lei n. 13.964/19 (Pacote Anticrime), no que diz respeito à contemporaneidade dos acontecimentos, ou seja, o princípio da atualidade.
Para fins de decretação da prisão preventiva ou qualquer outra medida cautelar, deve-se observar a atualidade dos fatos, pois estas medidas tutelam uma situação fática presente, um risco atual. Assim, "não se admite a decretação de uma medida cautelar para tutelar fatos pretéritos, que não necessariamente ainda se fazem presentes por ocasião da decisão judicial em questão. É exatamente isso o que a doutrina chama de princípio da atualidade (ou contemporaneidade) do perigo (ou do periculum libertatis).
É este o contexto apresentado na parte final do artigo 312, §2º, do Código de Processo Penal, que dispõe: "A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada". Em sentido semelhante, o artigo 315, §1º, do Código de Processo Penal, também incluído pelo Pacote Anticrime, passa a dispor que na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.
Nesse diapasão, colhe-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema:
A contemporaneidade, como se sabe, diz respeito aos fatos motivadores da prisão preventiva e não ao momento da prática supostamente criminosa, ou seja, é desimportante que o fato ilícito tenha sido praticado há lapso temporal longínquo, sendo necessária, no entanto, a demonstração efetiva de que, mesmo com o transcurso de referido período, continuam presentes os requisitos ( i) do risco à ordem pública ou (ii) à ordem econômica, (iii) de conveniência da instrução ou, ainda, (iv) da necessidade de assegurar a aplicação da lei penal. STF: AG.REG. NO HABEAS CORPUS 185.893 SÃO PAULO.
Dessa forma, muito embora o delito possa ter sido praticado em um lapso temporal relativamente distante, se os motivos ensejadores da decretação da prisão preventiva estiverem presentes, como, por exemplo, a reiteração criminosa causadora de abalo à ordem pública, serão os fatos juridicamente contemporâneos.
Pois bem. Dito isso, extrai-se dos autos a existência de requisitos, pressupostos e fundamentos ensejadores da segregação cautelar.
Com relação aos requisitos do artigo 313 (condições de admissibilidade), percebe-se que o crime atribuído aos conduzidos são dolosos e têm pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos, caracterizando, dessa forma, o inciso I do dispositivo processual.
Além disso, pende em desfavor dos conduzidos anterior condenação criminal por outro crime doloso com trânsito em julgado menos de cinco anos atrás (eventos 4-6), perfazendo, igualmente, também o inciso II do dispositivo processual.
Os pressupostos (fumus commissi delicti), dispostos na parte final do artigo 312, podem ser verificados na prova da materialidade (depoimento das testemunhas evento 1, VIDEO3, evento 1, VIDEO4; interrogatórios evento 1, VIDEO1 e evento 1, VIDEO2; prova documental, auto de exibição e apreensão, bem como auto de avaliação, todos juntados no evento 1, P_FLAGRANTE6) e nos indícios suficientes de autoria, apurados nos mesmos elementos da materialidade, que apontam para os conduzidos como supostos autores do delito.
Por último, ainda no artigo 312 (periculum libertatis), o fundamento específico apto a demostrar a viabilidade da custódia cautelar está consubstanciado na necessidade de garantir a ordem pública. Isso ocorre, porque, conforme se observa nos autos, os conduzidos fazem do delito um modo de vida, de acordo com o conteúdo das) folhas de antecedentes criminais (eventos 4-6).
Acompanhando o histórico e a vida pregressa, constata-se que o conduzido Bruno possui uma ação penal e um inquérito policial em andamento pela prática, em tese, de delitos patrimoniais, além de responder a processo de execução penal, estando atualmente em regime aberto.
O conduzido David, por sua vez, responde a processo de execução penal, também em regime também, cujo cumprimento ainda não foi iniciado.
Saliente-se que “inquéritos policiais e processos em andamento, embora não tenham o condão de exasperar a pena-base no momento da dosimetria da pena, são elementos aptos a demonstrar eventual reiteração delitiva, fundamento suficiente para a decretação da prisão preventiva”.
Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, diante da qual se encontram diversos precedentes:
A prisão cautelar pode ser decretada para garantia da ordem pública potencialmente ofendida, especialmente nos casos de: reiteração delitiva, participação em organizações criminosas, gravidade em concreto da conduta, periculosidade social do agente, ou pelas circunstâncias em que praticado o delito (modus operandi) HC 312368/PR, Rel Ministro Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJSC), Quinta Turma, STJ, julgado em 05/03/2015, DJe 10/03/2015 (sem destaque em negrito no original).
Ainda, os fatos são contemporâneos, observando, portanto, o disposto no artigo 312, §2º, do Código de Processo Penal, acompanhando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“A aferição da atualidade do risco à ordem pública, como todos os vetores que compõem a necessidade de imposição da prisão preventiva, exige apreciação particularizada, descabendo superlativar a análise abstrata da distância temporal do último ato ilícito imputado ao agente. O que deve ser avaliado é se o lapso temporal verificado neutraliza ou não, em determinado caso concreto, a plausibilidade concreta de reiteração delituosa” (STF: HC 143.333/PR, Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, DJe 20.3.2019).
Frise-se que, diante do constatado aqui nos autos, a substituição do encarceramento por outras medidas cautelares alternativas à prisão se mostra inócua, insuficiente e inadequada, pois não teria o condão de interromper a prática infracional dos conduzidos de modo a garantir a ordem pública.
Em que pese os argumentos da Impetrante, há indícios suficientes de autoria e prova da materialidade indicando que o Paciente, em tese, teria praticado delito de receptação, conforme relatos dos agentes públicos apontados no registro da ocorrência.
E, embora o delito não envolva violência ou grave ameaça, o Paciente é reincidente (condenação pela prática de delito de tráfico privilegiado, em execução nos autos 80041397620218240033) e, conforme entendimento pacífico deste Colegiado "É cabível a prisão preventiva, fundada na garantia da ordem pública, se evidenciado que o acusado, caso posto em liberdade, voltará a delinquir, e o fato de o acusado ser reincidente indica a possibilidade de recalcitrância" (ApCrim 5001079-66.2025.8.24.0564, 2ª Câmara Criminal, Relator Desembargador Sérgio Rizelo, j. 14/10/2025).
Logo, não se verifica ilegalidade flagrante que justifique a concessão de liminar.
No mais, salienta-se que os fundamentos do pedido liminar confundem-se com o próprio mérito da pretensão, razão pela qual, em observância ao princípio da colegialidade, deve o caso concreto ser objeto de análise por ocasião do julgamento definitivo.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. NÃO CONHECIMENTO. INDEFERIMENTO DA LIMINAR. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. NÃO CONSTATADA FLAGRANTE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA. PEDIDO DE LIMINAR E MÉRITO DA IMPETRAÇÃO. IDENTIDADE.
1. Não cabe agravo regimental ou interno contra decisão de relator que, de modo fundamentado, indefere pedido de liminar em habeas corpus.
2. Não se verificando flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada, é incabível o deferimento da tutela de urgência quando o pedido confunde-se com o próprio mérito da impetração, a justificar a análise mais aprofundada da matéria por ocasião do julgamento definitivo.
3. Agravo regimental não conhecido. (AgRg no HC n. 611.956/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 20/10/2020, DJe de 22/10/2020.)
Portanto, indefiro o pedido liminar.
Dispenso a apresentação de informações.
Encaminhem-se os autos à Procuradoria-Geral de Justiça.
assinado por NORIVAL ACÁCIO ENGEL, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7075574v4 e do código CRC 2a8997eb.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): NORIVAL ACÁCIO ENGEL
Data e Hora: 12/11/2025, às 21:27:41
5094032-92.2025.8.24.0000 7075574 .V4
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:09:36.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas